Red pill é o termo utilizado para um movimento de homens que defendem uma “masculinidade dominante”, conforme explica a doutora em ciências sociais e pesquisadora do fenômeno Bruna Camilo de Souza Lima e Silva.
O conceito de “red pill” remete ao filme “Matrix” (1999), quando o personagem principal Neo tem a opção de tomar a pílula azul ou a vermelha. “Enquanto a primeira o manteria na ignorância da sociedade, a vermelha (red pill) lhe daria consciência sobre o que de fato acontece no mundo”, resume.
Segundo Silva, o termo foi apropriado por grupos de homens críticos à igualdade de gênero. “O red pill começou como um termo e recentemente se tornou um movimento masculinista. E qual é a verdade que eles dizem difundir?
De que as mulheres são aproveitadoras, controladoras e manipuladoras”, explica a socióloga, que pesquisou o discurso presente nos fóruns, canais de YouTube e cursos ministrados pelo movimento.
“A pílula vermelha os faria despertar da situação de manipulação promovida pelas mulheres, mais especificamente pelas feministas.
E é essa mesma onda que cunhou o conceito de ‘feminazi’, uma forma pejorativa de chamar mulheres feministas ou que simplesmente contestam os papéis tradicionais de gênero”, acrescenta a doutora em história e coordenadora do grupo de pesquisa de gênero, trabalho e políticas públicas da Universidade Estadual do Paraná (Unespar), Isabela Candeloro Campoi.
Retaliação
Para Silva, os red pills difundem conceitos de masculinidade e feminilidade rígidos. “Há a defesa da masculinidade hegemônica de que o homem não deve demonstrar emoções, afeto, dividir tarefas ou abraçar outros homens.
E também de uma feminilidade universal, com um padrão de beleza específico, geralmente branco, e com comportamentos tidos como adequados, como se submeter às necessidades e vontades desse homem e não usar um determinado tipo de roupa. Tudo isso para, assim, ser digna da companhia desse homem red pill”, compartilha.
“Já quem não se submete é chamada de ‘vagabunda’ ou ‘feminista’ e não merece estar nessa sociedade, ainda que o discurso seja às vezes sutil”, explica Silva.
Para a doutora em sociologia e líder do grupo Pandora – Estudos de Gênero e Sexualidades da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Loreley Garcia Gomes, o red pill é uma tentativa de backlash, ou seja, retaliação.
“É algo frequente no século XXI: quanto mais as mulheres ganham espaço, mais se tenta desfazê-las em todas as instâncias. É uma estrutura que não quer mudar, mas está mudando”, analisa.
Mesma opinião de Campoi. “Não restam dúvidas de que é um movimento misógino que se incomoda com as conquistas das mulheres das últimas décadas, principalmente no âmbito de costumes e comportamento”, opina.
“Liberdade sexual e autonomia em relação aos seus corpos proporcionaram às mulheres mais consciência e, consequentemente, lhes deram condições de identificar relações tóxicas e de não se permitirem manter relacionamentos abusivos, antes normalizados.
Isso levou ao questionamento dos papéis tradicionais de gênero e das convenções sociais historicamente estabelecidas”, contextualiza.
“Há uma tentativa de retorno de um ‘macho alfa’ que controle o comportamento da mulher, que a coloque em situação de subalternização, reforçando o patriarcado“, complementa Silva.
Internet disseminou movimento
A internet foi fundamental na disseminação e estruturação dos “red pills” como movimento, conforme explica Silva.
“Por meio do YouTube, redes sociais e cursos, eles disseminam um ressentimento sobre como os movimentos feministas têm incidido na autonomia das mulheres, nos questionamentos de determinadas relações e nas masculinidades hegemônicas.
Havia homens que já tinham o mesmo ressentimento, mas não conseguiam identificá-lo ou nomeá-lo. Por meio da internet, eles encontraram pares”, afirma.
Silva liga essa realidade ao preconceito. “Falar que mulheres devem se submeter aos homens é machismo, junto com a misoginia, que é a base desse movimento de ‘resgate’ da masculinidade”, descreve.
“Também está ligado ao discurso de ódio contra mulheres que não se submetem e contra homens que são vistos como fazendo concessões a elas”, finaliza.