Expansão levanta dúvidas sobre qualidade, que é controlada, diz associação
Fernanda Ravagnani
São Paulo
A modalidade da educação a distância está tomando conta da oferta de cursos superiores particulares no Brasil, e nem é só por causa da pandemia.
O que acelera o número de matrículas e a criação de cursos são as mensalidades baratas, resultantes da política de preço agressiva de grupos educacionais privados. O movimento levanta preocupação em relação à qualidade.
Desde 2021, considerando as particulares, há mais alunos EAD do que presenciais. Segundo o Censo do Ensino Superior de 2022, do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), 3 milhões de estudantes ingressaram na modalidade remota, na rede privada, contra 1,6 milhão da tradicional.
A curva é crescente, e o domínio só não é maior porque não há permissão para cursos a distância de direito e psicologia, duas das carreiras mais procuradas no ensino privado.
Assistir às aulas na hora que dá, com mensalidades iniciais de menos de R$ 100, é uma alternativa para quem não tinha possibilidade de entrar em uma universidade pública ou em uma particular de elite. Quanto menos interação com professores, menor o preço.
Para o professor Janes Fidelis Tomelin, diretor de qualidade da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância) e vice-presidente acadêmico do grupo Vitru, as grandes companhias que vêm dominando a oferta estão profissionalizando o mercado e trazendo responsabilidade social e compliance.
“Quando há erosão das premissas de qualidade e só se observa escala e lucro para investidor, aí sim há um problema sério.”
O crescimento dessas graduações vem desde 2017, quando o MEC (Ministério da Educação) estabeleceu regras mais claras e fáceis para a criação de novos cursos.
Essa é a realidade de Karla Petreli, 19, que faz duas graduações online ao mesmo tempo. Ela chegou a cursar o primeiro ano de biomedicina presencialmente, mas tinha de sair do trabalho às 19h, na Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, para estar na faculdade também às 19h, na Mooca, na zona leste, a 10 km.
Transferiu-se então para a biomedicina EAD na mesma instituição e começou uma segunda graduação a distância, em investigação forense, em outra faculdade, onde trabalha como tutora.
Ela responde a dúvidas de estudantes, o que lhe dá direito a uma bolsa. As aulas? Assiste no ônibus, no almoço, à noite, no fim de semana.
A estrutura de um programa como esse pode ter disciplinas em blocos de três meses. Todas as aulas são gravadas e, uma vez por semana, há um encontro em tempo real.
As provas são presenciais e há atividades práticas presenciais semanais a partir do segundo ano, num polo educacional terceirizado
. As dúvidas e tarefas práticas —muitas vezes enviadas em vídeo— são responsabilidade dos tutores.
O domínio do online pode mudar o panorama do ensino também na esfera pública. A separação entre EAD e presencial tende a ficar menos nítida, porque grande parte dos cursos a distância prevê atividades nos polos e, ao mesmo tempo, o MEC permite que os presenciais tenham até 40% de atividades remotas.
“Hoje é muito difícil ter faculdade 100% presencial”, diz a estudante Jamilly Melo Delgado, 20, que se transferiu de um curso de pedagogia EAD para um presencial porque tinha dificuldade de se concentrar no online. O curso oferece apenas dois dias por semana de aulas numa sala física, com carteiras e professor.
Nesse cenário o contato com o professor tem status de elemento premium, reservado a centros de excelência, universidades públicas ou cursos particulares mais caros.
Nas públicas, a adoção do modelo é lenta e cuidadosa, com histórico que vem da Lei de Diretrizes e Bases de 1996.
“Nos dois primeiros governos Lula houve grande incentivo à EAD nas universidades públicas, com a criação do programa Universidade Aberta do Brasil, com o objetivo de formar professores”, diz Maria Luisa Furlan Costa, da UEM (Universidade Estadual de Maringá), que estuda a modalidade há 20 anos.
Sob pressão histórica das entidades de classe, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o CFP (Conselho Federal de Psicologia), a regulamentação atual ainda barra as formações em direito e psicologia, temas de consultas públicas pelo MEC.
Além disso, há restrições a cursos como medicina, odontologia e enfermagem.
“Há mais de 200 instituições preparando o curso de direito em EAD, para quando for liberado. Quando isso acontecer a proporção geral da educação a distância no ensino superior vai crescer mais ainda”, afirma Paulo Presse, coordenador da área de estudos de mercado da Hoper Educação.
Tomelin, da Abed, diz que a tecnologia permite uma individualização inédita do aprendizado. “A EAD dá mais tempo ao ritmo de cada estudante.”
Já para Eduardo Silva Lisboa, professor de processo de produção e projetos da Fatec-SP (Faculdade de Tecnologia de São Paulo) e da Fatec Itu, o maior problema da educação remota é a perda da dinâmica que só se atinge quando há uma discussão.
O MEC exige que os cursos EAD tenham proporções mínimas de professores mestres e doutores, mas os números do censo do Inep já mostram redução no número de docentes contratados no setor privado e uma proporção de 171 alunos por professor.
Quem busca essa modalidade e quer conferir a qualidade do programa deve consultar a plataforma e-MEC.
Lá é possível saber se o curso está regularizado e quais são seus conceitos nas avaliações do ministério, como o CPC (conceito preliminar de curso) e o CC (conceito de curso, emitido após verificação in loco). Ambos têm notas de 1 a 5. Há várias formações sem avaliação.
Quando um curso é novo, o que é frequente no formato, após autorização do MEC, a instituição pode pedir seu reconhecimento quando metade da carga horária da primeira turma tiver sido cumprida. Só aqueles reconhecidos podem emitir diplomas válidos.