Entenda a infecção fúngica que deixou 7 pacientes cegos após cirurgias de catarata no Amapá

Por Bernardo Yoneshigue

— Rio de Janeiro

03/11/2023 09h15 Atualizado há 4 semanas

Olhos.
Olhos. — Foto: FreePik

Mais de 100 pessoas sofreram complicações associadas a uma infecção fúngica nos olhos após passarem por um mutirão de cirurgias para catarata, parte do programa Mais Visão, em Macapá, capital do Amapá, no início de setembro.

Ao menos 7 delas precisaram ser submetidas a uma evisceração (remoção do globo ocular) e perderam a visão.

O caso é investigado pelo Ministério Público do estado (MP-AP).

Segundo a Secretaria Estadual de Saúde do Amapá (Sesa), 141 pacientes foram submetidos ao procedimento no dia 4 de setembro, dos quais 104 tiveram complicações.

A investigação da Superintendência de Vigilância em Saúde (SVS) identificou a presença do fungo Fusarium, que provoca a infecção fusariose. Quando esse microrganismo penetra na parte interna do olho, como ocorreu no estado, o quadro é grave e chamado de endoftalmite.

O que é o fungo Fusarium?

De acordo com informações do Ministério da Saúde, os fungos do gênero Fusarium estão presentes no meio ambiente e podem ser encontrados no ar, água, solo, plantas e substratos orgânicos.

São mais comuns em locais com clima tropical e subtropical. Existem mais de 200 espécies pertencentes ao gênero, que causam a fusariose.

Como ele o fungo é transmitido?

A doença é transmitida pela inalação dos esporos fúngicos, células reprodutivas liberadas pelos fungos, permitindo a reprodução e disseminação desses organismos.

O Fusarium também pode ser adquirido pela inoculação direta dele na pele, por exemplo por uma ferida cirúrgica, como foi no Amapá.

De acordo com a pasta, os locais mais comuns de entrada do fungo são os seios paranasais, os pulmões e a pele.

Com isso, ele pode causar lesões cutâneas, ceratite, sinusite, otite, abscesso cerebral, infecção de corrente sanguínea, artrite, onicomicose, peritonite, pneumonia, osteomielite e a endoftalmite relatada nos pacientes amapaenses.

  • Quais os sintomas do fungo?

A infecção provoca sintomas que variam a depender do local da contaminação.

Alguns sinais não específicos envolvem febre persistente, diminuição da consciência, mucosa avermelhada e edema nasal, palidez, taquicardia, dores musculares, tosse seca, falta de ar, olhos vermelhos e lacrimejantes, dor nos olhos, entre outros.

Como se proteger e tratar o fungo?

A principal medida para se proteger é adotar hábitos de higienização para evitar a exposição ao fungo.

A fusariose é uma das três infecções fúngicas mais comuns, mas é considerada relativamente rara.

Os casos são registrados com mais frequência em pacientes imunossuprimidos, com câncer hematológico ou submetidos a transplantes de medula óssea.

O tratamento envolve o uso de medicações antifúngicas.

A infecção na parte interna do olho, a endoftalmite, é mais rara, porém também mais grave.

Nesse caso, podem ser necessárias injeções intraoculares ou cirurgias chamadas de vitrectomia, em que se remove parte do gel vítreo, substância gelatinosa que presente no olho, mas que serve de meio de cultura para proliferação de agentes infecciosos.

No caso do Amapá, 55 pacientes assaram por uma cirurgia para tentar reverter a infecção, mas a Sesa não especificou se foi a vitrectomia

. Outros 14 fizeram transplante de córnea.

Segundo nota da pasta, “os pacientes estão recebendo serviços médicos 24h, medicação, transporte, deslocamento a outros estados e atendimento psicológico”.

O programa Mais Visão

O Mais Visão começou em 2020 e já realizou mais de 100 mil atendimentos. O estado mantém o recurso com repasses de emenda parlamentar.

O programa é executado por meio de um contrato de prestação de serviços com a instituição religiosa Centro de Promoção Humana Frei Daniel de Samarate (Capuchinhos). O centro, por sua vez, contrata uma outra empresa, a Saúde Link.

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O último repasse da verba para o Capuchinhos foi feito em setembro e, no último dia 6, o programa foi suspenso devido aos registros de infecção. A secretaria e o Ministério Público do Amapá investigam o caso.

No último dia 23, o MP-AP ouviu envolvidos no assunto como parte da investigação. Na ocasião, representantes da Saúde Link informaram não ter encontrado local adequado para continuação do Mais Visão no estado. Sobre os pacientes, disseram estar avaliando as ocorrências, “dando todo o apoio e fazendo as adequações”.

  • Estiveram também presentes na reunião com o MP o governador do Amapá, Clécio Luis; a secretária de Estado da Saúde, Silvana Vedovelli, a pesquisadora Francis da Silva Pereira, do Laboratório Central (LACEN); Elena Rocha, da Defensoria Pública do Estado (DPE); Tiago Albuquerque, procurador-geral do Estado (PGE), Marco Antônio Barbosa e Luciano Goulart, diretores do Mais Visão; Ana Cláudia Monteiro, Superintendente de Vigilância em Saúde (SVS), e Frei José Carlos, do Capuchinhos.

— O MP-AP está acompanhando este caso desde que tomamos conhecimento através da imprensa e de denúncias individuais.

Não queremos interferir no trabalho que está em andamento pelos órgãos ligados à temática, e nem que o Programa Mais Visão seja encerrado, mas sim, compartilhar e atualizar informações, para sabermos, de fato, o que aconteceu e as medidas que serão tomadas junto aos pacientes, para que o Mais Visão continue sem colocar em risco nenhuma vida humana — disse o procurador-geral Paulo Celso Ramos.

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