A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência é uma importante ferramenta para modificar o cenário de exclusão das pessoas com deficiência, ao promover na esfera internacional maior consciência sobre as potencialidades e o alcance dos seus direitos humanos e liberdades fundamentais, protegendo os seus beneficiários e exigindo dos diversos atores da sociedade atitudes concretas para a sua implementação.
Pessoas com deficiência são, antes de mais nada, pessoas. Pessoas como quaisquer outras, com protagonismos, peculiaridades, contradições e singularidades. Pessoas que lutam por seus direitos, que valorizam o respeito pela dignidade, pela autonomia individual, pela plena e efetiva participação e inclusão na sociedade e pela igualdade de oportunidades, evidenciando, portanto, que a deficiência é apenas mais uma característica da condição humana.
Em 2008, o Brasil ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada pela ONU, bem como seu Protocolo Facultativo. O documento obteve, assim, equivalência de emenda constitucional (conforme dispõe o § 3º do artigo 5º da CF), sendo o primeiro tratado de Direitos Humanos recepcionado com tal status no país.
Seu texto assegura direitos que, após a mencionada incorporação, passaram a integrar o regime constitucional dos direitos e garantias fundamentais. Entre eles, destaca-se o direito das pessoas com deficiência a um padrão adequado de vida para si e para suas famílias, que inclui, segundo o texto da Convenção, moradia, alimentação e vestuário ( art.28, item 1). Contudo, nenhum direito individual é absoluto, podendo, eventualmente, o deficiente ser preso, por exemplo, em caso de sanção criminal.
Para a convenção, a deficiência é um conceito em evolução.
Pode-se dizer que as pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. Ou seja,
DEFICIÊNCIA = IMPEDIMENTOS DE LONGO PRAZO + BARREIRAS SOCIAIS
Dessa forma, para a Convenção, a deficiência se encontra na sociedade, uma vez que as barreiras sociais impedem a interação plena e efetiva das pessoas que possuem características de impedimentos físicos, mentais, sensoriais e intelectuais. Assim, se o impedimento apresentado não acarreta à pessoa dificuldade de integração social, seja no trabalho, seja no desenvolvimento das atividades cotidianas, esta não se enquadra no conceito de pessoa com deficiência.
Além disso, o documento internacional elenca uma série de princípios que norteiam as ações dos Estados-Partes, quais sejam:
- O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas;
- A não-discriminação;
- A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade;
- O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade;
- A igualdade de oportunidades;
- A acessibilidade;
- A igualdade entre o homem e a mulher;
- O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade.
A Convenção traz ainda, em seu art. 2, definições importantes, dentre as quais destacam-se:
- Adaptação razoável que constitui modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
- Desenho universal que significa a concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados, na maior medida possível, por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou projeto específico.
- Língua que abrange as línguas faladas e de sinais e outras formas de comunicação não-falada.
- Discriminação por motivo de deficiência que refere-se a qualquer diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável.
Cabe destacar outros aspectos relevantes da norma, quais sejam:
- os Estados Partes, no caso em que a família imediata de uma criança com deficiência não tenha condições de cuidar da criança, farão todo esforço para que cuidados alternativos sejam oferecidos por outros parentes e, se isso não for possível, dentro de ambiente familiar, na comunidade. ( art.23, item 5)
- os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência tenham a oportunidade de desenvolver e utilizar seu potencial criativo, artístico e intelectual, não somente em benefício próprio, mas também para o enriquecimento da sociedade. ( art.30, item 2)
- os Estados Partes exigirão dos profissionais de saúde que dispensem às pessoas com deficiência a mesma qualidade de serviços dispensada às demais pessoas e, principalmente, que obtenham o consentimento livre e esclarecido das pessoas com deficiência concernentes. (art.25)
- os Estados Partes tomarão todas as medidas necessárias para assegurar a proteção e a segurança das pessoas com deficiência que se encontrarem em situações de risco, inclusive situações de conflito armado, emergências humanitárias e ocorrência de desastres naturais . (art.11)
- A Convenção é taxativa ao determinar que as pessoas com deficiência tenham acesso a uma variedade de serviços de apoio em domicílio ou em instituições residenciais.
- A Convenção determina, também, que os Estados Partes reconheçam o direito das pessoas com deficiência a educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis. (art.24)
- A Convenção reconheceu as múltiplas formas de discriminação das mulheres com deficiência, contemplando medidas específicas protetivas e de garantias de direitos a essa população.
- Para a Convenção, as medidas apropriadas para assegurar às pessoas com deficiência acessibilidade incluem a identificação e a eliminação de obstáculos e barreiras à acessibilidade em edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações médicas e local de trabalho. (art.9)
Em caso de violações à Convenção, pode ser feito o controle de constitucionalidade (já que a norma tem status constitucional) tanto pela forma difusa ou concreta – por qualquer magistrado – quanto pelo controle concentrado ou abstrato, a ser feito pelo STF em sede de ADIn, ADC ou ADPF.
Cabe ressaltar ainda que a Convenção pode ser denunciada pelo Brasil conforme previsto em seu art. 48, permanecendo, todavia, vigentes, no direito brasileiro, os direitos ali reconhecidos, em virtude de sua promulgação precedida de aprovação pelo Congresso Nacional no rito do art. 5.º, § 3.º, da Constituição Federal, o que lhe confere condição de cláusula constitucional pétrea (art. 60, § 4.º, IV, da Constituição Federal).
A Denuncia é a forma que um país tem de se desobrigar; de se afastar de um documento internacional ao qual se submeta.
Por fim, de acordo com o art. 34 da citada convenção, os membros do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência serão eleitos pelos Estados-partes, observando-se uma distribuição geográfica equitativa, representação de diferentes formas de civilização e dos principais sistemas jurídicos, representação equilibrada de gênero e participação de peritos com deficiência, sendo a estes garantidos os direitos aos privilégios, facilidades e imunidades dos peritos em missões das Nações Unidas.