O que você precisa saber sobre a Lei Brasileira de Inclusão – Parte I

O Estatuto da Pessoa com Deficiência ( Lei n. 13.146/2015), também conhecido como Lei Brasileira de Inclusão – LBI, organiza em uma única lei nacional temas que estavam dispersos em outras leis, decretos e portarias. Sua principal contribuição é regulamentar a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência no âmbito nacional.

Dentre os principais aspectos que a lei aborda, podemos destacar os seguintes:

1.Adoção da abordagem biopsicossocial para avaliação da deficiência ( Art. 2o ,§ 1o )

Antes da LBI, a avaliação da deficiência era feita apenas sob a ótica médica.

Com essa quebra de paradigma, passou-se a considerar a deficiência como resultante de uma função em que o valor final depende de outras variáveis independentes, quais sejam: as limitações funcionais do corpo humano e as barreiras físicas, econômicas e sociais impostas pelo ambiente ao indivíduo, ou seja:

DEFICIÊNCIA = LIMITAÇÃO FUNCIONAL (física,mental, intelectual ou sensorial) X AMBIENTE ( barreiras arquitetônicas, atitudinais, comunicacionais, informacionais…)

Para ilustrar, imaginemos a situação de uma pessoa surda que não consegue ser adequadamente atendida em uma repartição pública por não haver no local nenhum funcionário que se comunique por meio da língua brasileira de sinais – LIBRAS.

A ausência de audição corresponde a um atributo individual, como a cor da pele, a sexualidade, o gênero etc.

A deficiência, no caso, seria oriunda da barreira atitudinal, presente no fato de não haver pessoas habilitadas para a comunicação por meio da linguagem de sinais, ou seja, o problema estava no fato de a repartição pública não estar preparada adequadamente para receber indivíduos com características pessoais variadas.

Cabe mencionar que a avaliação da deficiência, quando necessária, será realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, e deverá considerar: os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação.

2.Existem vários tipos de barreiras que são obstáculos à participação social e à liberdade das pessoas com deficiência

A LBI prevê em seu art. 3, IV, que as barreiras constituem qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:

barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;

 barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;

barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;

barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;

barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;

barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias.

3. Nomenclatura e categorias de deficiência

Com a LBI, passou-se a adotar o termo “pessoa com deficiência”e não mais “pessoa portadora de deficiência”, “pessoas com necessidades especiais”, “deficientes”, entre outros. 

Isso porque as pessoas não podem optar por portar ou não a própria deficiência, não sendo como uma bolsa que se carrega. Necessidades especiais tampouco comunica de quem está se falando. Deficiente resume a pessoa a sua condição, não a oportunizando ser “sujeito de direitos”em primeiro lugar.

A norma considera pessoa com deficiência aqueles com impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que inviabilize a sua plena e efetiva participação na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Com relação às categorias de deficiência, permanecem válidas as categorias dispostas no Decreto n. 5.296/2004:

a) deficiência física: alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções;

b) deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas freqüências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz;

c) deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores;

d) deficiência mental: funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como:comunicação; cuidado pessoal e habilidades sociais.

e) deficiência múltipla – associação de duas ou mais deficiências.

4. Nem toda forma de discriminação resulta proibida pela norma

Soa até estranho essa afirmação, contudo a norma prevê dois tipos de discriminação (Art. 4o ): a discriminação positiva consiste na adoção de medidas positivas a fim de propiciar a equiparação de oportunidades entre pessoas com deficiência e as demais; e a discriminação negativa que é o tratamento arbitrário conferido a alguém com deficiência e cujo efeito seja a sua exclusão social ou restrição de direitos.

Portanto, nem toda forma de discriminação resulta proibida pela LBI, mas tão somente a diferenciação negativa, que é aquela em que a limitação funcional é utilizada em desfavor da pessoa com deficiência.

Cabe ressaltar que as medidas compensatórias não objetivam assegurar às pessoas com deficiência o acesso a mais direitos do que ao restante da população. Consistem, na verdade, em ações especiais e necessárias para assegurar o acesso a exatamente os mesmos direitos que já usufruem as demais pessoas, como por exemplo a reserva de vagas em concurso público, reserva de cargos em empresas privadas e a garantia da educação sob o modelo inclusivo.

5. A LBI não fala em discriminação contra a pessoa com deficiência, mas discriminação em razão da deficiência ( Art. 4)

Trata-se de uma distinção relevante. Significa dizer que o ato arbitrário se baseia em alguma forma de deficiência, mesmo que a vítima de tal abuso não seja necessariamente alguém que com deficiência. Pode ser vítima de discriminação um pai que teve a matrícula de seu filho rejeitada em decorrência da deficiência dele.

§ 1o  Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.

É importante destacar que se considera discriminação contra a pessoa com deficiência a recusa à adaptação razoável e de fornecimento de tecnologias assistivas, já que são alguns dos principais instrumentos de realização do direito à acessibilidade.

6. A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa (art.  6o )

O argumento que as pessoas com deficiência não teriam a autonomia necessária para decidirem a respeito de si mesmas é ultrapassado. A LBI dispõe, dentre outros, que esse grupo de pessoas pode casar-se e constituir união estável e exercer direitos sexuais e reprodutivos.

Além disso, afirma em seu art. 84, caput, que “a pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Pode-se afirmar, portanto, que houve um enfraquecimento e restrição do instituto da interdição civil como medida protetiva à pessoa com deficiência.

Cabe mencionar que antes da vigência da Lei nº 13.146/2005, eram considerados absolutamente incapazes aqueles que não podiam exprimir a vontade, ainda que por causa transitória; sendo assim as pessoas com deficiência era consideradas absolutamente incapazes. Com a vigência da norma, contudo, passaram a ser considerados absolutamente incapazes apenas os menores de dezesseis anos e como relativamente incapazes aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade.

Cabe alertar, ainda, que o Estatuto não prevê em nenhuma hipótese a  esterilização compulsória da pessoa com deficiência.

7. A LBI instituiu a tomada de decisão apoiada

A tomada de decisão apoiada é medida protecionista criada pela LBI e será determinada pelo juiz, em procedimento de jurisdição voluntária, a requerimento da pessoa com deficiência que indicará pelo menos duas pessoas idôneas ( a própria pessoa com deficiência indica e não o juiz), com as quais mantenha vínculo e que gozem de sua confiança, para fornecer-lhe apoio na tomada de decisão relativa a atos da vida civil.

Depreende-se dos arts. 84 e 85 da LBI, o seguinte: a) a pessoa com capacidade reduzida poderá se valer do novo instituto da tomada de decisão apoiada, como forma de auxiliá-la a respeito das decisões de seu interesse;

b) os apoiadores não representarão a pessoa com deficiência, mas tão somente fornecerão os elementos e as informações necessárias para que ela possa exercer a sua capacidade;

c) o apoio na tomada de decisão será adotada como instrumento para assegurar a autonomia da pessoa com limitação funcional e não para restringir direitos,

d) a pessoa que se encontrar em situação excepcional, por não ter compreensão dos fatos à sua volta e, assim, estar impedida de expressar a sua vontade, é considerada civilmente incapaz para a prática de certos atos;

e) apenas para este caso admites-se a nomeação de curador;

f) a curatela deixa de ser a regra e passa a ser medida extraordinária e apenas para certos atos.

Quanto à curatela, cabe ainda mencionar que esta afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza PATRIMONIAL E NEGOCIAL;  isto é, sua definição não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto. E que para a emissão de documentos oficiais, NÃO será exigida a situação de curatela da pessoa com deficiência.

Além disso, o art. 116 dispõe que a decisão tomada por pessoa apoiada terá validade e efeitos sobre terceiros, sem restrições, desde que esteja inserida nos limites do apoio acordado.

8.  A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência criou o Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Cadastro-Inclusão)

Considerando a necessidade de identificação das pessoas com deficiência em todo território brasileiro, a LBI criou o Cadastro-Inclusão como um repositório de registro eletrônico que coleta, processa, sistematiza e permite a disseminação de informações georreferenciadas que identifiquem e caracterizem socioeconomicamente a pessoa com deficiência, bem como as barreiras que impedem a realização de seus direitos ( Art. 2º). O Cadastro-Inclusão será administrado pelo Poder Executivo federal.

É importante mencionar que não são todas as pessoas com deficiência que devem ser cadastradas; e sim aquelas beneficiárias do Benefício Prestação Continuada – BPC.

Fonte: Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência – Editora Saraiva

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