Alex Mirkhan
Brasília (DF) |
30 de novembro de 2023 às 08:45
Segunda versão do plano Viver Sem Limite tem orçamento de R$ 6,5 bilhões para os próximos 4 anos
Mais de 10 anos após o lançamento da primeira versão, uma segunda etapa do plano Viver Sem Limite foi oficializada no dia 23 de novembro, em cerimônia no Palácio do Planalto. Presentes ao evento, pessoas com deficiência que participaram da elaboração do projeto comemoram uma etapa importante no enfrentamento às barreiras que as impedem de exercer a plena cidadania.
Quatro eixos vão nortear as quase 100 ações já previstas: ampliar o acesso à gestão e participação social de pessoas com deficiência (PcD), enfrentar o capacitismo e a violência, fomentar a acessibilidade e tecnologias assistivas e promover a educação, saúde, assistência social e os demais direitos econômicos, sociais e culturais.
A relevância e ambição do plano foi exaltado por uma das mestres de cerimônia do lançamento, Anna Paula Feminella, secretária dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH). Durante sua fala em um púlpito adaptado, ela abordou alguns dos tópicos centrais do projeto com duração de 4 anos e valor estimado de R$ 6,5 bilhões.
“O plano será revisto a cada ano e tem como instância importante de controle social o próprio Conade [Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência], que acompanhará passo a passo o cumprimento de cada meta. Nessa primeira etapa do Plano teremos 95 ações, 11 ministérios se comprometendo com metas e orçamentos adequados para garantir a inclusão”, projeta.
Antes da cerimônia, outro esclarecimento relevante foi feito por Antônio José Ferreira, coordenador-geral de Relações Institucionais da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência e um dos elaboradores do plano, desde a sua primeira edição.
Segundo ele, que também possui deficiência visual, as iniciativas vão funcionar “dentro de canais de pactuação que já existem, como o Sistema Único de Saúde, o plano de ações articuladas da educação, as linhas de financiamento da cultura, como a Lei Rouanet, a Aldir Blanc, e a Paulo Gustavo”.
A intenção é estender o máximo de ofertas e recursos possíveis a pessoas com deficiência desde as grandes metrópoles até os municípios mais remotos do território nacional.
Para isso, políticas já existentes também devem ser ampliadas, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), que ajuda a subsidiar famílias de baixa renda de pessoas com deficiência e também idosos e deve ajudar a garantir 425 mil matrículas de beneficiários na rede regular de ensino.
A capilaridade das iniciativas do Viver Sem Limite 2 também envolve investimentos na formação de conselheiros tutelários, na aquisição de ônibus de transporte escolar acessíveis e na oferta de recursos multifuncionais em 38 mil escolas espalhadas pelo país.
Outras frentes também estão sendo abertas no universo do trabalho, que pretende promover 120 mil novos contratos para pessoas com deficiência, além de ações específicas, como a promoção da educação bilíngue de surdos.
Remover limites e barreiras às pessoas com deficiência
A primeira versão do plano Viver Sem Limite foi lançada em 2011 pela ex-presidente Dilma Rousseff, num movimento para vincular o Brasil às prerrogativas da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência das Nações Unidas. À época, 15 ministérios foram envolvidos em ações com duração de três anos e cujo orçamento foi de R$ 7,6 bilhões.
Desde então, o país tem avançado em iniciativas voltadas ao universo PcD, que segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) corresponde a 8,9% da população brasileira atualmente. Mesmo assim, segundo a organização Human Rights Watch, milhares de pessoas nesse espectro ainda vivem em instituições e residências inclusivas – lares coletivos planejados para atender até 10 pessoas com deficiência.
Além das condições nesses locais não serem as ideais, grande parte da população PcD também vive sob a tutela de familiares, em condições nem sempre adequadas para a plena participação cidadã.
O conhecimento sobre o contexto em que essas pessoas estão é fundamental para que as políticas públicas sejam mensuradas e aplicadas de forma adequada, conforme explica a conselheira Vitória Bernardes, do Conselho Nacional de Saúde, ela mesma cadeirante.
“Se eu sou uma pessoa que estou num contexto urbano, que tenho a minha rua asfaltada, a minha casa tem autonomia, eu vou vivenciar a deficiência de forma completamente diferente de alguém que está, por exemplo, uma favela, que tem escadas e muito mais problemas de acesso”, pontua Vitória, mencionando o papel dos agentes comunitários na busca ativa das pessoas:
“Como essa pessoa vai sair de casa? Qual é a realidade do território dela? Ela vai ter autonomia para conseguir ocupar os espaços?”.
A avaliação permanente das iniciativas pelo Conade tem essa função de coordenar ações transversais em saúde, educação, trabalho e outros contextos de participação cidadã. Limites de planejamento e falta de atenção do poder público que o presidente Lula (PT) disse querer retirar, que se materializam em ambientes físicos não adaptados, mas também na falta de empatia de quem poderia facilitar a vida ao invés de impor novas barreiras.
“Queremos e vamos derrubar os diversos muros que separam as pessoas com deficiência de uma vida onde podem aproveitar a plenitude de suas capacidades, muros que não são erguidos com cimento e tijolo, mas com insensibilidade e preconceito de quem tem por obrigação cuidar e abrir oportunidades”, discursou, também mencionando 38 mil escolas que contarão com salas especiais e 95 mil crianças que poderão contar com dispositivos de equipamentos de tecnologia assistiva.
Impulsos para vida em comunidade
Se o capacitismo, junto à violência e o preconceito contra pessoas com deficiência, fazem parte da preocupação de Lula, alguns exemplos de sucesso ajudam a quebrar essa lógica do “heroismo”.
Segundo o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, essa visão só “coloca mais pressão” sobre pessoas que são empurradas a ambientes hostis e desumanos. Por isso, aproveitou a ocasião para conclamar um basta.
“Não mais heróis, mais cidadãos, não mais excepcionais, mais companheiras e companheiras de luta, não mais discriminados, excluídos, mais respeitados e valorizados, não mais estigmatizados, mais senhores e senhores de suas próprias vidas e histórias, não mais escondidos dentro de suas casas, trancafiados em colônias e manicômios, mas livres como todo ser humano merece ser livre”, disse.
O vereador de Itapetininga Etson Brun (Cidadania-SP), por sua vez, prefere exaltar o que chama de “eficiência” da população PcD para lidar com problemas dos mais corriqueiros aos mais complexos. Portador de deficiência visual, ele é o presidente da Câmara dos Vereadores da cidade paulista pela segunda vez e acredita que as pessoas “têm que nos ver, não na nossa questão da nossa limitação, mas dentro da nossa capacidade”.
“Me deixa muito feliz que hoje a gente viu a valorização dos instrumentos das políticas da pessoa com deficiência.
Quando você pega essa valorização você tem mais facilidade para chegar às demandas, e você chegando às demandas, você vai jogá-las dentro de todos os planos, que é o direito da pessoa com deficiência, como à moradia – como falou o presidente – à educação, à saúde e ao trabalho”, comenta.
Antônio José Ferreira relembra que a primeira lei de acessibilidade só foi aprovada em 2000, sendo a importância do assunto ignorada até então.
“Nós estamos há 23 anos trabalhando com acessibilidade na legislação. Isso vem se aprimorando
Hoje, o governo federal não constrói mais nenhum prédio que não tenha acessibilidade.
As prefeituras não podem construir nada que não tenha acessibilidade. Tudo aquilo que passa pela Caixa Econômica Federal, cujo financiamento ajuda a construir moradias com acessibilidade.
Então, pouco a pouco nós vamos removendo, diminuindo o índice de inconformidade de acessibilidade existente nos municípios e nos prédios públicos”, salienta.
Edição: Rebeca Cavalcante