SP vai ganhar complexo inédito para autonomia e socialização de pessoas autistas

Espaço público é previsto para agosto de 2024 e tem orçamento de R$ 40 milhões; garoto de 6 anos deve pintar painéis de instalação

Artista mirim – Rio Sora, 6, fará desenhos para o Centro Municipal de Pessoas com TEA Adriano Vizoni/Folhapress

2.dez.2023 às 23h15

Havolene Valinhos

São Paulo

Não ter espaços para socialização e que incentive a autonomia é a realidade de muitas pessoas autistas, especialmente para adolescentes e adultos, grupos que, atualmente, possuem grande dificuldade de interação.

Para tentar dirimir essa demanda, está prevista para agosto de 2024 a inauguração do primeiro Centro Municipal para pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista) do país. O projeto, da Prefeitura de São Paulo, tem valor estimado de R$ 40 milhões e está em fase final de licitação.

As obras começam em janeiro e o local, que será construído com pré moldagens em concreto, ficará localizado onde hoje funciona um equipamento da Secretaria de Esportes, em Santana, zona norte da capital.

Segundo Silvia Grecco, secretária municipal da Pessoa com Deficiência, pasta que será a responsável pelo complexo, apenas a quadra e a piscina semiolímpica serão aproveitadas do equipamento atual. O restante será demolido para a construção do centro de 5.000 m².

Projeção arquitetônica de como será o Centro Municipal da Pessoa com TEA
Projeto arquitetônico de como será o Centro Municipal da Pessoa com TEA – Divulgação

Neste domingo (3), é celebrado o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, e a proposta é que o local seja um espaço de convivência, formação de redes de apoio e de atividades para pessoas autistas, familiares e a comunidade.

“Hoje estima-se que haja 2 milhões de pessoas com TEA no Brasil, sendo que 150 mil estão na cidade de São Paulo, mas esse número pode ser ainda maior”, diz a secretária.

Outro objetivo do centro é que as pessoas autistas conquistem cada vez mais autonomia. Para isso, será montado no espaço um apartamento mobiliado para que os frequentadores exercitem atividades diárias, como arrumar a cama, a casa, usar tanquinho de lavar roupas, além de aprender a cozinhar.

O projeto prevê oficinas e atividades como teatro, dança, cinema, quadra poliesportiva, ginástica, piscina coberta e aquecida para aulas de natação/hidroginástica e sala de tecnologia assistiva.

O público contará também com uma sala para aprendizado de instrumentos musicais e outro espaço exclusivo para fazer canto.

Na parte interna haverá um sala sensorial, onde se poderá sentir cheiros, tocar texturas e com saída direta para a área externa que levará a um jardim também sensorial.

No local ainda será construída uma cozinha experimental para que tanto os atendidos quanto as mães possam fazer cursos de empreendedorismo.

“As atividades são fundamentais para o desenvolvimento e socialização “, afirma Silvia Grecco.

O teatro terá capacidade para 250 pessoas. A secretária diz que eles assistirão a peças, mas também atuarão. “Convidaremos quem não tem TEA para participar dos elencos. Isso é inclusão.”

Silvia afirma que crianças autistas acontam com um mínimo de assistência na rede pública, seja da educação ou da saúde, mas quando se tornam adolescentes e adultos ficam, muitas vezes, até sem terapias.

“Sempre ouvi as mães que chegam na secretaria e sinto na fala delas o desespero quando os filhos completam 14 anos.

O que eles precisam é ser amados, respeitados e incluídos.”

“Eu e a minha equipe técnica pesquisamos o que havia de melhor no mundo. Esse centro será o primeiro nesse molde, com todas essas atividades. É um piloto que será ajustado com o tempo.”

Famílias acreditam que atividades incentivarão socialização de pessoas autistas

Para Daniela Foroni, mãe de Pedro Foroni Chalegre, 26, e presidente da associação Azuis da Leste, localizada em Itaquera, que atende 70 famílias de pessoas autistas, o espaço fará diferença, uma vez que a escola acaba sendo o único local de socialização.

“O meu filho não frequenta mais a escola, o que é fato para a maioria das famílias que têm jovens ou adultos autistas.

Eles são negligenciados, uma população totalmente esquecida. A expectativa é que esse centro seja um lugar bacana, que incentive as relações, tenha esporte, lazer. Um ainda é pouco, mas já é um começo.”

Foroni destaca que não basta a pessoa autista acessar direitos básicos, como saúde e educação.

“Não quero que o meu filho fique trancado dentro de casa o dia inteiro, sentado no sofá a vida toda.

O Pedro vive na sociedade, ele precisa socializar, precisa de outras atividades.”

Silvia Grecco ressalta a importância de trabalhar a autonomia das famílias com cursos de empreendedorismo ou simplesmente oferecer um dia de lazer.

“Nosso foco também será os cuidadores, que na maioria das vezes são as mães e estão exaustas da rotina. Muitas encerram a carreira profissional para cuidar do filho. Então que essa família possa assistir a um filme, uma peça de teatro, fazer um piquenique.”

PAINEL ARTÍSTICO

A Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência convidou Rio Sora, 6, uma criança autista, para participar da criação da identidade visual do centro TEA, possivelmente com a pintura de painéis ou murais. O artista mirim já soma 130 mil seguidores em sua página do Instagram.

Luciana Campos, mãe do garoto e diretora de imagem, conta que Rio olhava para ela e não conseguia falar.

“Hoje ele se comunica, já é alfabetizado, mas ainda tem dificuldade na fala, é monossilábico, tornando a socialização mais difícil. O foco dele vai todo para o desenho.”

Ela conta que Rio sempre gostou de formas, cores, de observar as partes gráficas das vinhetas de jornais, programas de televisão, layouts, organizar as letras do alfabeto. “Aprendeu até o alfabeto russo.”

Um dia uma amiga da família deu uma lousinha e ele começou a brincar, fazer reproduções de layouts.

“O Rio gosta, por exemplo, de observar o que os artistas fizeram no Minhocão, que é caminho entre a nossa casa e a terapia. Fomos apresentando quem era quem e, hoje, ele conhece todos.”

Os seus artistas mais queridos são: Os Gemeos, Poisé, Bugre, Enivo, Rafael Sliks, Fernando Granja,
Teor e Zezão. Alguns ele já conheceu pessoalmente. Aos poucos o garoto tem feito reproduções e trabalhos autorais.

Para Luciana, é preciso que sejam construídos muitos outros centros como esse.

“O autista tem poucos espaços para socialização, e os pais também não têm acolhimento.

Temos que falar cada vez mais sobre o assunto, queremos ocupar os espaços.”

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